domingo, 21 de junho de 2009

Richard Prince e a Moda

Richard Prince (1949) é uma figura essencial no panorama artístico internacional. Algumas das suas obras, como os Cowboys ou as Jokes, pertencem obrigatoriamente a qualquer panorama da arte contemporânea dos últimos 10 anos, por mais sucinto que este possa ser. Prince está representado na grande maioria das colecções de arte contemporânea e as suas obras podem frequentemente ser vistas em exposições colectivas, seja em Portugal, seja no estrangeiro. Contudo, é bastante difícil que o grande público, e sobretudo europeu, tenha a ocasião de visitar uma exposição monográfica do seu trabalho e de aceder a uma revisão, mais ou menos exaustiva, do percurso e produção deste artista. Assim, e após a grande retrospectiva de Prince no Guggenheim de Nova Iorque no Outono de 2007, a Serpentine Gallery apresenta a última etapa desta exposição, que inclui algumas das obras mais características da sua carreira, juntamente com trabalhos novos e outras peças menos conhecidas. Seria inútil comparar a exposição no Guggenheim à que é apresentada em Londres: as potencialidades expositivas do grande museu norte-americano não poderiam encontrar um equivalente na relativamente pequena galeria londrina. Mesmo assim, Continuation, a primeira grande exposição individual de Richard Prince no Reino Unido, é sem dúvida um dos momentos altos do panorama expositivo europeu deste verão.

O principal interesse de Continuation, para além de dar a ver a obra de Richard Prince ao público europeu, reside no facto das obras em exposição serem seleccionadas na sua totalidade pelo artista, que deste modo apresenta uma visão pessoal do seu trabalho, assinalando as suas escolhas e preferências dentro dos principais conjuntos de peças que caracterizam a sua carreira com mais de 30 anos. Não existem grandes surpresas ou revelações, a exposição assinala a consagração daquelas que são as imagens icónicas do artista norte-americano.

Deste modo, o espaço da Serpentine Gallery articula-se em torno a diversos diálogos que conduzem a uma definição, tão irónica quanto consciente, do universo de Prince, profundamente enraizado num american lifestyle que o artista não só caracteriza como cristaliza de modo icónico. Estes diálogos, maioritariamente centrados em paradigmas da cultura popular norte-americana, desenvolvem-se em torno às suas esculturas realizadas a partir de hoods, capôts de automóveis que o artista re-elabora em fibra de vidro, retirando-os do seu uso para realçar a sua forma extremamente masculina e agressiva e devolvendo-lhes a sua função essencialmente decorativa e emblemática. Totalmente inúteis à partida, estes hoods não têm outra funcionalidade que acentuar o aspecto vistoso e excêntrico de um automóvel, contribuindo para toda uma imagética associada ao universo da cultura popular do tuning. Em torno a estas grandes formas, dispersas pelas diversas salas da galeria, observam-se inúmeras imagens, em grande parte fotografias que Richard Prince seleccionou quando trabalhava na revista Time durante a década de 1980. A mesma atitude de apropriação de elementos da cultura popular, é aqui celebrada através das imagens mais célebres mas também mais polémicas da sua carreira. Basta pensar num dos seus populares Cowboys, cuja imagem original foi retirada pelo artista de uma publicidade da Malboro, vendido em 2007, num leilão da Sotheby’s, por cerca de 3.400.000 dólares, suscitando inúmeras críticas e reflexões em torno a questões relacionadas com a noção de autoria e com o carácter ‘único’ das obras de arte.

Prince é, de facto, um dos pioneiros na apropriação de imagens e de objectos, aos quais confere um novo significado e valor através de uma ligeira alteração de contexto, um processo que o artista assume plenamente numa das suas entrevistas: ‘I like to think about making it again instead of making it new.’ É interessante citar a este propósito um texto redigido por Prince em 1977, no qual se define este processo criativo:

Praticando Sem Licença, 1977
“A Re-fotografia é uma técnica para roubar (piratear) imagens que já existem, estimulando-as em vez de as copiar, ‘gerindo-as’ em vez de as citar e reproduzindo o seu efeito e aparência do modo mais parecido com a primeira vez em que surgiram. Uma semelhança mais do que uma reprodução, uma re-fotografia é essencialmente uma apropriação de algo que é já por si real sobre uma imagem existente e uma tentativa para adicionar esta realidade em algo mais real, uma realidade real e virtuosa que tem a oportunidade de parecer real, mas uma realidade que não tem qualquer hipótese de se tornar real. A técnica é uma actividade física que coloca um indivíduo atrás de uma máquina fotográfica, um sítio onde não se pode ver nada para além da imagem capturada, um local que dá a oportunidade de ver exactamente como o público eventualmente verá a imagem como um objecto e um local a partir do qual um indivíduo se pode identificar tanto com o público como com o autor.”

Este uso de imagens pré-existentes é igualmente notório na sua série de Nurses, enfermeiras estereotipadas, na sua grande maioria mulheres jovens, belas e loiras, representadas com uma forte carga sexual que enformam toda uma cultura erótica destinada ao público masculino. Prince, ao re-apresentar estas figuras, põe em evidência o corpo feminino como órgão perpetuador da supremacia e poder masculino. Estas enfermeiras não são mais do que objectos estereotipados ao serviço do poder viril e machista norte-americano. O artista colocou uma das ‘Nurses’ figura na capa do álbum “Sonic Nurse” (2004) dos Sonic Youth, estabelecendo deste modo uma excelente ligação entre a sua imagética de origem popular e a cultura de massas. A capa do álbum, juntamente com um prato de bateria assinado pelos membros da banda, constitui uma das novas obras apresentadas nesta exposição, Untitled (original) (2008).

Covering Hannah (1987 Grand National) (2008), outra das obras inéditas da exposição, acentua este discurso de associação de elementos definidores da cultura masculina. Juntando a representação do corpo feminino com a cultura automobilística, Prince utiliza um dos muscle cars americanos mais icónicos, o Buick Grand National, como suporte de imagens em grande formato de figuras femininas com uma evidente carga soft porno. Covering Hannah tem nítidos paralelismos com a obra Pure Thoughts (2007), que o artista exibiu num projecto especial durante a última Frieze Art Fair, na qual outro muscle car, amarelo e equipado com um capôt Nero alterado, era acompanhado por uma rapariga, numa performance que transportava o visitante do contexto de uma feira de arte para um típico certame de venda de automóveis.

A reflexão sobre a América profunda e as suas raízes encontra outra vertente na série de fotografias upstate (um termo que descreve certas áreas remotas da zona norte do estado de Nova Iorque, onde o artista reside). Neste caso, deparamos com imagens de um quotidiano habitado pelo abandono e pela desolação com um certo toque de surrealismo, como é o caso da representação de uma tabela de basketball no meio de um campo de erva (Untitled (upstate), 1995-99).

As Jokes, anedotas de salão, com um humor básico e pouco inteligente, quase infantil, frequentemente associadas a uma cultura burguesa e materialista, constituem o quarto pilar central da exposição. Neste caso, o artista apropria-se de um património pertencente à cultura oral e narrativa para colocar em evidência outro aspecto característico da cultura americana.

A principal novidade da exposição reside na série de pinturas Untitled (de Kooning) (2008). Não parece ser um acaso que Prince tenha escolhido de Kooning, um dos artistas mais citados por Clement Greenberg na caracterização da sua ‘Escola de Nova Iorque’, para realizar um diálogo plástico assente na justaposição de reproduções da série de mulheres de de Kooning com elementos e figuras (retiradas de revistas vintage) acrescentadas por Prince. De acordo com as suas palavras: ‘I started to sketch over the paintings (…) Sometimes I’d draw a man to his woman. There’s a contribution – for me it’s all about 50/50’.

Fonte: www.artecapital.net

Richard ganhou o mundo da moda, no desfile da Louis Vuitton do verão de 2008, Marc Jacobs como as enfermeiras de Richard,e ainda bolsas da grife foram desenhadas pelo artista, que fez uma paródia de sua série "Jokes".



Nenhum comentário:

Postar um comentário